terça-feira, 27 de outubro de 2015

A crise e o circo

Em tempos de desconfiança ampla e geral nos rumos do país, tanto política quanto economicamente, uma coisa é irrefutável: não há marasmo quando o assunto é Brasília. A despeito das novelas seguidas pela população, a "novela Brasil" não pode ser compreendida assistindo a um ou outro capítulo. A trama muda, os personagens assumem nova postura e o enredo acaba sempre caótico. A última semana fez com que, até os mais descrentes, se contorcessem em súbitas surpresas, se estarrecessem com impensadas decisões e se frustrassem com infundados retrocessos.

Em ordem cronológica: parece que Eduardo Cunha se comporta como um funcionário insatisfeito que, ou sabe que será mandado embora e, por isso, faz o que bem entende, ou quer ser mandado embora e, para isso, precisa chamar atenção para suas loucuras. Em apenas uma semana, os retrocessos se acumularam em decisões polêmicas dos órgãos federais. Comissões que deveriam primar pelo cuidado com o que é público, com a justiça, com o que prevê a constituição, ignoram seus afazeres e tornam o sistema ainda mais anacrônico e esquizofrênico. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei de autoria do excelentíssimo presidente da casa, de tornar crime a chamada "conivência" com o aborto. Em suma, estaria vetada a venda e o fornecimento de substâncias abortivas. Nesse aspecto, vale lembrar que cabe ao farmacêutico, por exemplo, se recusar ou não a vender a conhecida pílula do dia seguinte, mediante "sua consciência de que aquilo possa ou não ser abortivo".

Como se parecesse absurdo suficiente, o projeto ainda prevê que casos de estupro, por exemplo, que bastava a palavra da vítima, agora sofram a comprovação mediante boletim de ocorrência atestado por uma autoridade policial. A situação de total desprezo pela condição da mulher nesse aspecto se intensifica com uma espécie de adendo de humilhação, onde a situação precisa ser comprovadamente policial. 

A farra com o parco progresso alcançado pelo Brasil ainda continua, se formos analisar os retrocessos que a comissão especial (também da Câmara) imputou sobre a definição de família, na constituição. Definitivamente, não se trata mais de formar um cidadão, mas sim um ferrenho "religioso" defensor da famigerada manutenção da moral e dos bons costumes. Como se moral e bons costumes fossem observados na formação política brasileira, ou mesmo na própria história do país, enquanto uma nação heterogênea.

Como um lampejo de esperança e, contra toda a intolerância mostrada por boa parte dos parlamentares, o MEC deu um grande passo rumo a um projeto de educação um pouco mais justo, ainda que modesto. O tema da redação deste ano tratou da violência de cada dia, contra a mulher brasileira. Conservadores se contorceram, autoritários esbravejaram mas todos eles foram obrigados a ver seus filhotes em situação de total desconhecimento do tema, frente a uma prova importante, quer fosse a classe social do candidato. Parece uma ação muito menos educativa do que, de fato foi, mas como as redes sociais disseram, os machistas foram obrigados a conceber uma visão completamente diferente da deles. Afinal, era o futuro que estava em jogo. Ironicamente, era o futuro que estava em jogo!

Para finalizar, ontem o ex presidente da república FHC, foi sabatinado pelo programa Roda Viva, da TV Cultura. A "sabatina" lembrou mais uma reunião de amigos que, há muito, não se viam e estavam ali para matar as saudades. A bancada era composta pelos representantes dos baluartes do jornalismo brasileiro. Estavam presentes: Folha, Veja, Época, Estadão...

Pasmem - até que se entenda o real significado deste ponto fora da curva, afinal quando se trata de uma aparente fraqueza do sistema, sempre nos surpreendemos - a jornalista Eliane Cantanhêde, representando o jornal Estado de São Paulo, indagou Fernando Henrique Cardoso a respeito de seu papel atual, que "a sociedade espera mais" dele e que "a opinião pública espera mais do acadêmico, do ex-presidente, do homem como referência". Pois é, tudo bem que o ex-presidente Lula está tendo um papel de protagonista muito além do necessário, e que, por vezes, confunde e até questiona a autoridade da Presidenta Dilma, mas FHC, independente de suas competências acadêmicas, comporta-se como um irresponsável, acompanhando o falido PSDB na empreitada pelo impeachment.

Aguardemos.